fonte: O Globo
O quadro caótico do atendimento a pacientes com câncer nas unidades federais do Rio, incluindo os hospitais universitários, virou alvo de uma ação civil da Defensoria Pública da União, ajuizada na última sexta-feira na Justiça Federal. O defensor Daniel Macedo, com base em inspeções do Conselho Regional de Medicina do Estado Rio de Janeiro (Cremerj) — que mostram que o índice de interrupção do ciclo de quimioterapia chega a 70% dos pacientes em alguns hospitais —, pede o reabastecimento das farmácias e almoxarifados com insumos e medicamentos, a realização de exames de diagnóstico dentro do prazo máximo de 60 dias e ainda que seja zerada, em até 20 dias, a fila de pessoas que aguardam por quimioterapia.
No caso desta última medida, se for descumprida, Macedo pede uma pena de R$ 50 mil de multa diária para o secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e também para o secretário-executivo do órgão. A ação, que abrange 13 unidades, cita a União, a Universidade Federal do Rio (UFRJ), a Universidade Federal do Estado do Rio (UniRio) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).
TRÊS MESES PARA TOMOGRAFIA
A Defensoria Pública alega que, em 46% dos hospitais, há interrupção do tratamento de quimioterapia, sendo que no Andaraí e em Bonsucesso o percentual de doentes com câncer prejudicados atinge 70%. Um dos dados mais alarmantes do diagnóstico feito junto ao Cremerj aponta que, no Hospital Federal de Bonsucesso, a taxa de sobrevida hoje é menor do que 30%. Daniel Macedo afirma que o atendimento precário vai desde a fase de diagnóstico até o ciclo de quimioterapia e radioterapia.
— O tratamento oncológico no Rio está comprometido. Ele envolve várias linhas de cuidado, como a primeira consulta, a cirurgia, a quimioterapia, a tomografia, a mamografia. O que nós observamos é uma falha em todo o sistema, desde a primeira consulta até o início do tratamento, passando pelo diagnóstico, sendo que a legislação diz que, do diagnóstico ao início do tratamento, o prazo não pode ser superior a 60 dias — afirma o defensor público.
As inspeções do Cremej, feitas entre outubro de 2016 e novembro de 2017, também constataram que a espera para a marcação de tomografias pode chegar a três meses, e, o resultado, demorar até dois meses. Para a ressonância magnética, o agendamento pode levar dez semanas, e, o resultado, três semanas. Os pacientes ainda enfrentam uma via-crúcis para serem operados: o tempo médio de espera para realização de cirurgia oncológica é de seis semanas, sendo que 59% chegam à rede federal em estado avançado da doença e 42% portando exames com prazo superior a seis meses.
A família de um idoso de 76 anos com câncer de próstata e de pele conta que, durante dois anos, tenta que o paciente receba tratamento adequado. Após enfrentar, repetidas vezes, a resposta de que não há vagas em unidades federais do Rio, e diante do agravamento da doença, procurou a Justiça:
— Agora, há a suspeita de metástase nos rins e no pulmão — contou uma pessoa que cuida do idoso, sem se identificar.
O presidente do Cremerj, Nelson Nahon, diz que encontrou um quadro “catastrófico” nas três fiscalizações no Hospital de Bonsucesso (em novembro do ano passado e em abril e novembro deste ano).
— Houve uma redução de 50% no número de médicos para atender a oncologia (passou de oito para quatro) e o chefe do serviço fechou o setor para novos pacientes. Mais de 50% dos medicamentos oncológicos estavam zerados, e 20% tinham quantidade para apenas um mês. O estoque de outros 20% só dava para dois meses — afirma Nahon.
Em nota, o Ministério da Saúde informou que há um plano de reestruturação dos hospitais federais, em que a meta é aumentar em 20% o atendimento especializado em oncologia, ortopedia e cardiologia. Ontem, o órgão anunciou a contratação de cerca de dois mil profissionais para os hospitais federais e institutos do Rio.
A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), responsável pela gestão dos hospitais universitários da UniRio e da UFF, afirmou que as unidades “estão atendendo normalmente pacientes com câncer”. Sobre o Hospital do Fundão, a UFRJ afirma que o subfinanciamento tem impedido o funcionamento adequado da unidade.